Enfermagem

A equipe de enfermagem e Maslow: (in)satisfações no trabalho

Fonte:  VITORIA-REGIS, Lorena Fagundes Ladeia; PORTO, I. S. . A Equipe de Enfermagem e Maslow: (In)satisfações no trabalho. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 59, p. 565-568, 2006

A Enfermagem vem apontando em pesquisas científicas visões e considerações sobre a profissão de maneira que lhe permita atualizar e construir um caminho profissional mais consistente.

O cuidado em edificar uma história para Enfermagem com mais coerência cientifica permite aos enfermeiros um crescimento intenso e apurado, capaz de alcançar um futuro mais atuante e decisivo.

Neste contexto, este artigo tem a finalidade de expor e refletir sobre uma nova proposta de estudo aplicada a Enfermagem, que envolve as (in)satisfações no trabalho dos integrantes da equipe de enfermagem, como ponto fundamental na realização e desenvolvimento de suas atividades. A retomada das necessidades humanas básicas é um instrumento essencial para compreender fatores que motivam essas atividades gerando (in)satisfação e bom desempenho desta equipe no trabalho.

No decorrer de nossas trajetórias profissionais pudemos perceber que a insatisfação da equipe de enfermagem no trabalho era marcante e visível. Desde então, começamos a questionar o motivo de tantas insatisfações e se havia comprometimento da assistência aos pacientes. Estava claro para nós que o cuidado prestado reside em cada um dos integrantes da equipe de enfermagem sendo influenciado através dos nossos desejos, necessidades e satisfações.

“Tudo que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e a viver”. Então, entendemos que as ações na Enfermagem estavam além das aparências e repousavam na sua essência. Os valores, fundamentos, sentimentos e ações dos integrantes da equipe refletiamse na prática. Assim, o ambiente passava a ser espelho das relações pessoais e sociais. “O ambiente é como um sistema biológico, social, político e econômico que se organiza, desorganiza-se e reorganiza-se”.

Neste ambiente as pessoas criam identidade própria, modos de viver e cuidar, no qual suas (in)satisfações estão totalmente implícitas no processo de vivência influenciando as relações existentes neste espaço. Diante destes questionamentos, a (in)satisfação dos integrantes da equipe de enfermagem apresenta uma relação com a interação necessária à realização do cuidado podendo comprometer a assistência que será prestada.

A satisfação é “ação ou efeito de realizar-se; prazer, contentamento; corresponder às expectativas, corresponder ao que se deseja”. Em psicologia, “satisfação é o resultado de uma variedade de atitudes da pessoa perante fatores associados ao seu trabalho e atitude no trabalho designa o sentimento que o empregado experimenta a propósito do seu emprego”.

Poucas propostas relativas aos integrantes da equipe de enfermagem e sua influência sobre o cuidado são discutidas no sentido de abordar suas (in)satisfação e estresse dentro do trabalho, salvo a proposta que envolve o saber – fazer da enfermagem. Sendo assim, o nível de satisfação profissional vem tornando-se fator essencial, determinante e discutível para melhor entendimento do cuidado. O cuidar deve ser entendido como a realização de ações na enfermagem considerando-se inevitável à satisfação de um conjunto de necessidades tanto da clientela, como dos integrantes da equipe de enfermagem que executam este cuidado envolvendo mais interação e autonomia. Para tal, esta reflexão propõe uma discussão acerca da teoria da motivação humana ou hierarquia das necessidades humanas básicas de Abraham Maslow correlacionandoa com as ações dentro da Enfermagem. Nessa hierarquia os indivíduos estão em processo contínuo de desenvolvimento tendendo a transitar por entre as necessidades e em busca da auto-realização.

  1. A TEORIA DAS NECESSIDADES HUMANAS BÁSICAS

Ao atingirem as necessidades fisiológicas, de segurança, sociais, de estima e auto-realização os seres humanos atingem também a satisfação necessária para desempenharem melhor as suas atividades. Maslow é um psicólogo e pesquisador do comportamento humano bastante conhecido na Enfermagem, pois Wanda Horta, em seus estudos como enfermeira pioneira no Brasil adaptou a teoria das necessidades humanas básicas para a Enfermagem, aplicando as idéias de Maslow ao processo de cuidar. Nesta abordagem da teoria aplicada a profissão, a enfermeira é o agente responsável que realiza o processo de planejamento para cuidar das necessidades básicas do cliente, estabelecendo uma ação direta e atuante da Enfermagem diante dos problemas apresentados por ele. Com esta adaptação, Wanda Horta trouxe para a Enfermagem a observação, interação e intervenção junto ao cliente para satisfazer suas necessidades humanas básicas.

Por outro lado, Maslow concebeu a teoria da motivação humana baseada na hierarquia das necessidades humanas básicas. Esta teoria parte do princípio de que todo ser humano tem necessidades comuns que motivam seu comportamento no sentido de satisfazê-las, associandoas a uma hierarquia. O ser humano, como está sempre buscando satisfação, quando experimenta alguma satisfação em um dado nível, logo se desloca para o próximo e assim sucessivamente. Na sua teoria Maslow classifica, hierarquicamente, as necessidades em cinco níveis, a saber:

  • Necessidades básicas ou fisiológicas: aquelas diretamente relacionadas à existência e a sobrevivência do ser humano, estando neste grupo as necessidades de alimento, água, vestuário, sexo e saneamento. Para Maslow, as necessidades fisiológicas são o ponto de partida para a teoria, pois elas são primordiais. As necessidades fisiológicas se referem às necessidades biológicas do indivíduo. São as mais prementes, dominando a direção do comportamento do ser humano quando esta se encontra insatisfeito. Assim, uma pessoa dominada por tal necessidade tende a perceber apenas os estímulos que visam satisfazê-las, sua visão de futuro fica limitada e determinada por tal necessidade.
  • Necessidades de segurança: estão nesse grupo as necessidades relacionadas à proteção individual contra perigos e ameaças como, por exemplo, a necessidade de saúde, trabalho, seguro, previdência social e ordem social. Maslow ressalta que a necessidade de segurança permite o indivíduo dar preferência pelas coisas familiares, tender por uma religião ou filosofia de vida e pelas rotinas do dia a dia. Porém, a necessidade de segurança só pode ser considerada um motivador ativo e dominante caso encontre-se em momentos de urgência. Sobre este pensamento: “as necessidades de segurança têm grande importância, de vez que na vida organizacional as pessoas tem uma relação de dependência com a organização e onde as ações gerenciais arbitrárias ou as decisões inconsistentes e incoerentes podem provocar incerteza ou insegurança nas pessoas quanto a sua permanência no trabalho”.
  • Necessidades sociais: relacionadas à vida em sociedade, englobando necessidades de convívio, amizade, respeito amor, lazer e participação. Estas são as necessidades de convívio social referindo as necessidades de afeto das pessoas que convivemos tais como; amigos, noiva, esposa e filhos. O ser humano tenderá a construir relacionamentos afetivos com o intuito de se sentir integrado, parte de um grupo em sociedade. Assim, “quando as necessidades sociais não estão suficientemente satisfeitas, a pessoa se torna resistente, antagônica e hostil com relação às pessoas que a cercam. A frustração dessas necessidades conduz geralmente a falta de adaptação social e a solidão. A necessidade de dar e receber afeto é uma importante ativadora do comportamento humano quando se utiliza a administração participativa”.
  • Necessidades do ego (estima): guardam relação com a autosatisfação, caracterizando-se como necessidades de independência, apreciação, dignidade, reconhecimento, igualdade subjetiva, respeito e oportunidades. Elas expressam as necessidades ou desejos das pessoas de alcançarem uma auto-avaliação estável, bem como uma auto-estima firmemente baseada em sua personalidade. A satisfação destas necessidades conduz a sentimentos de autoconfiança, valor, força, capacidade, suficiência e utilidade ao mundo. “Pero la frustración de estas necesidades, produce sentimientos de inferioridad, debilidad o impotencia, puede conseguirse fácilmente un estímulo de la neurosis traumática grave”.
  • Necessidades de auto-realização: expressam o mais alto nível das necessidades estando diretamente relacionadas à realização integral do indivíduo. Neste grupo estão as necessidades de utilização plena das potencialidades, de capacidade e da existência de ideologias. São necessidades de crescimento revelando uma tendência de todo ser humano para realizar plenamente o seu potencial. Essa tendência pode ser expressa como o desejo de a pessoa tornar-se sempre mais do que é e de vir a ser tudo o que pode ser. Neste sentido: “Un músico tiene que hacer música, un artista tiene que pintar, un poeta tiene que escribir, si quieren estar en paz con sus respectivas personalidades. Un hombre tiene que ser lo que puede ser”.

A necessidade de auto-realização não se extingue pelo pleno ato de saciar. Quanto maior for a satisfação experimentada, tanto maior e mais importante parecerá à necessidade. O surgimento claro desta necessidade descansa na satisfação anterior das necessidades fisiológicas, de segurança, de amor e estima.

Além das cinco necessidades citadas, acrescentou-se à teoria, o desejo de todo ser humano de saber e conhecer. Há assim, uma necessidade natural do ser humano de buscar o sentido das coisas, de forma a organizar o mundo em que vive. São as necessidades denominadas cognitivas, que incluem os desejos de saber, de compreender, sistematizar, organizar, analisar e procurar relações e sentidos. Estas necessidades viriam antes da auto-realização. A necessidade de ajudar os outros a se desenvolverem e a realizarem seu potencial foi denominada como transcendente e viria posteriormente à auto-realização.

Existem certas pré-condições para que as necessidades básicas possam ser satisfeitas e sem essas precondições seria impossível a satisfação das necessidades. São elas: liberdade de falar, liberdade de expressão, liberdade para investigar e buscar informação, liberdade para se defender e buscar justiça, equidade, honestidade e permanência garantida dentro do grupo. “Al frustrarse estas libertades, el individuo reaccionará con una respuesta de amenaza o emergencia” .

Nesta teoria, a hierarquia entre as necessidades está ligada às características do ser humano, independente do sistema de produção. Este sistema precisa satisfazê-las, sob pena de criar/ampliar a pressão por parte dos sujeitos envolvidos. Para Maslow, o comportamento é motivado por necessidades a que ele deu o nome de necessidades fundamentais.

As necessidades fundamentais podem ser classificadas em necessidades superiores e necessidades inferiores que se orientam sob a base do principio de potencia relativa. “Las necesidades básicas se ordenan por si mismas en una jerarquía perfectamente definitiva, sobre la base del principio de potencia relativa”. Podemos então descrever que as necessidades inferiores dependem de condições internas do próprio indivíduo, por isto estão muito mais localizadas, são instintivas, animais, perceptíveis, mais numerosas, fáceis de serem medidas (tangíveis) e mais limitadas que as superiores.

As necessidades superiores requerem condições externas favoráveis que estejam mais acessíveis à satisfação. São menos numerosas, por isto menos perceptíveis, menos controláveis, desenvolvem conseqüências cívicas e sociais importantes e produzem melhores resultados subjetivos tendo como exemplo, a felicidade, serenidade e riqueza da vida interna. Quando estas necessidades estão satisfeitas significa que o indivíduo alcançou maior eficiência biológica, maior longevidade, menos enfermidades. Sendo assim, elas são mais humanas e refletem a auto-realização. Sobre estas afirmações: “Usualmente, dan mayor importancia a la necesidad superior que a la inferior aquellos que han satisfecho las dos. Aquellos que han conocido ambas consideran el autorrespeto más importante, subjetivamente, que un estómago lleno. Tales personas podrán sacrificarse más fácilmente por contentar apetitos superiores y estarán fácilmente dispuestas a resistir la privación inferior”.

O intuito em satisfazer as necessidades básicas está também associado a uma série ascendente de níveis de saúde psicológica. Um homem que ganha respeito e admiração dos que estão a sua volta, podendo desenvolver sua auto-estima, favorece progressivamente o próprio equilíbrio psicológico. “Tal hipótesis nos lleva a estudiar hechos antes descuidados y plantear de nuevo muchas cuestiones antiguas que no han sido contestadas”.

Assim foram levantados os seguintes pressupostos da Teoria das Necessidades Humanas Básicas:

  • O princípio mais importante da vida motivacional é a organização das necessidades em uma hierarquia de prioridade ou potencial;
  • O comportamento humano está determinado pelas necessidades básicas e conseqüentemente motivado por elas;
  • Existem pré-condições para que as necessidades sejam satisfeitas;
  • Quando parcialmente ou satisfeita uma necessidade aparece outra do tipo superior;
  • As necessidades inferiores são mais internas, estimuladas por questões do próprio indivíduo; e as necessidades superiores são mais externas, estimuladas por questões de fora do indivíduo;
  • Quando o indivíduo atinge parcialmente suas necessidades, atinge também uma série ascendente de graus de saúde psicológica e satisfação;
  • Um individuo insatisfeito é um homem enfermo (doente);
  • A não satisfação das necessidades básicas, com o tempo pode significar o surgimento de patologias graves;
  • A insatisfação das necessidades leva o individuo a não desenvolver o máximo de suas potencialidades.

Esta teoria não é a única que explica o comportamento humano, pois nem todo comportamento é determinado pelas necessidades. As necessidades fundamentais são em grande parte inconscientes e por outro lado, os fatores sócio-culturais também influenciam na forma ou objetos, nos quais os homens buscam satisfazer suas necessidades.

  1. A TEORIA DA MOTIVAÇÃO HUMANA E A ENFERMAGEM

Considerando-se o conteúdo exposto, é preciso reavaliar constantemente esse conhecimento, essa prática pela diversidade e essa singularidade do sujeito que cuida, durante as suas atividades. A prática em algumas instituições de saúde tem mostrado que as insatisfações que afetam seus funcionários afetam também o processo de seu desenvolvimento no trabalho e devem ser levadas à reflexão, possibilitando ações coletivas para minimizar ou resolver tais problemas.

A Enfermagem é uma profissão a serviço do ser humano e da dinâmica que envolve quem cuida e quem é cuidado (seus clientes). O cuidado é, antes de tudo, um exercício dos seres humanos e uma arte de observar, saber e fazer. Por isto, não se trata de uma ação técnica a ser estudada e desenvolvida, tal como uma função braçal. Na profissão estão implícitas as relações humanas e as implicações que definem sua prática e tudo a sua volta. Jamais analisar-se-á a Enfermagem, sem antes reconhecer que dela nasce um universo humano extraordinário, revelador e original. A respeito desta afirmativa:

A Enfermagem é uma atividade de cuidado aos seres humanos e, como processo de trabalho, tem um objetivo e uma direção. Tem uma finalidade de trabalho que ao ser caracterizado define a tendência da sua ação. Tais afirmações significam que a prática da Enfermagem revela mais do que apenas um fazer técnico, revela a origem e consequência desse fazer.

Diante dessas argumentações fica fácil compreender porque a Enfermagem traz em si um movimento humano, pois ela é uma ciência em construção capaz de gerar relações e reações humanas. Partindo desta afirmativa, podemos utilizar a retomada das necessidades humanas básicas, como uma abordagem capaz de identificar as necessidades da equipe de enfermagem, suas (in)satisfações no trabalho.

A Enfermagem sempre foi uma profissão que concebeu seres humanos cuidando de outros seres humanos, que interagem reagindo a cada (des)encontro e demonstrando (in)satisfações. Ao contato entre quem cuida e quem é cuidado, que se materializa com a realização do cuidado de enfermagem oferecido, aparecem as conseqüências de um desempenho de trabalho excelente ou frustrado.

A interação entre a teoria da motivação humana de Maslow e algumas características da prática da enfermagem leva a perceber que as necessidades humanas podem influenciar o desenvolvimento das atividades da equipe de enfermagem no trabalho. Portanto, a teoria pode ser utilizada tanto para fundamentar esta pesquisa, quanto a outras pesquisas de enfermagem que busquem compreender o comportamento dos indivíduos no trabalho.


O envelhecimento na perspectiva do cuidador de idosos (Parte II)

Fonte: Garbin, Cléa Adas SalibaSUMIDA, Doris Hissako ; MOIMAZ, S. A. S. ; PRADO, Rosana Leal Do ; Silva, Milene Moreira da . O envelhecimento na perspectiva do cuidador de idosos. Ciência e Saúde Coletiva (Impresso), v. 15, p. 2941-2948, 2010.

 

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As dificuldades que eu vejo estão aí na frente: maus-tratos, desrespeito em diversas áreas, familiares que não aceitam um idoso dentro de casa dando um pouco mais de trabalho, dependente de tudo, não enxergando direito, sem forças para andar sozinho, é debilitado. O velho enfrenta a solidão, o preconceito, as doenças. Quando tem Alzheimer sofre menos porque perde a noção de tudo o que está acontecendo. Quando é lúcido é pior porque entende tudo, tem que ficar no asilo, tem medo das pessoas. Para cuidar de idosos acamados ou em cadeiras de rodas é preciso paciência.

Todas as mudanças consequentes do próprio envelhecimento acarretam desgaste tanto para o idoso quanto para o cuidador, do qual são requeridos paciência, habilidade e conhecimento para lidar com a situação. Uma vez que qualquer desses itens não esteja presente, muito facilmente haverá convergência da situação para o caminho que tange os maus-tratos.

Os maus-tratos contra idosos, descritos pela primeira vez em 1975, na Inglaterra, têm sido tema explorado em pesquisas científicas e alvo de ações governamentais em todo o mundo e no Brasil, vigorosamente, desde a última década. Eles podem ser definidos como atos únicos ou repetidos – ou ainda ausência de ação apropriada que cause dano, sofrimento ou angústia – e que ocorram dentro de um relacionamento de confiança.

Na literatura especializada, os maus-tratos são usualmente classificados em: físico, verbal, psicológico ou emocional, sexual, econômico, negligência e autonegligência, levando para longe a ideia de que se trata apenas da agressão física. Os violentados sentem a agressão desde um simples xingamento até espancamento, enquanto quem agride nem sempre se conscientiza de que aquele ato já é um ato de violência, como deixar de trocar a fralda urinada ou simplesmente deixar de dar um copo de água ao idoso. Os cuidadores entrevistados entendem o que é violência contra idoso; mas será que eles não a cometem de alguma forma? Ocupar o cargo de cuidador em uma instituição de terceira idade por falta de opção (e não por afinidade) e não dar atenção e carinho ao interno mais carente já sugere violência.

A questão é que independentemente da forma de violência os idosos não costumam denunciar, por não conseguirem se locomover, por não terem contato com outras pessoas, por medo de maior agressão ou mesmo de abandono; e mesmo quando fazem a denúncia, ninguém acredita em seus relatos, pois eles não são considerados lúcidos o suficiente para dizerem verdades, e simplesmente são ignorados. Diante disso, exalta-se a importância da responsabilidade dos profissionais de saúde em detectar sinais de violência, orientar seus pacientes quantos aos tipos de apoio que eles podem recorrer e, principalmente, notificar a vigilância epidemiológica. Fernandes e Assis explicam que certos tipos de lesões e ferimentos frequentes no idoso, sua aparência descuidada, desnutrição, comportamento muito agressivo ou apático, afastamento, isolamento, tristeza ou abatimento profundo são sinais que merecem investigação. Quando se enfoca saúde global, as diferentes formas de violência contra o idoso comprometem sua qualidade de vida, acarretando somatizações, transtornos psiquiátricos e morte prematura, apontando que idosos vitimados por maus-tratos apresentam também uma taxa de mortalidade muito mais alta que a dos idosos que não sofreram abuso.

Outro fator relacionado a essa situação é o nível de estresse do cuidador, que também é significante fator de risco para maus-tratos contra idosos. Embora ainda se acredite que seja um fator contribuinte para a ocorrência de abuso, ele não responde, por si só, pela sua ocorrência. Mas se trabalhar com idosos causa tanto desgaste para quem presta este serviço, porque optar por ele? Os cuidadores explicaram que seria pelo interesse no emprego ou no salário, por ocupar a vaga por acaso, ou então por gostar.

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Vim trabalhar aqui por necessidade, não foi opção de trabalho, precisava complementar minha renda, estava desempregada. Estava precisando de funcionário e eu fiquei sabendo da vaga e trouxe meu currículo aqui. Vim por acaso, não porque eu tinha vontade de trabalhar com idosos, eu achava que era uma coisa ruim, aí me interessei em fazer isso e depois eu gostei, preferi ficar aqui com eles, depois me apeguei. É muita satisfa- ção em cuidar deles, me identifico muito. Tinha uma vontade muito grande de trabalhar com idosos e trabalhar aqui, meu Deus, não tem compara- ção. Gosto muito de cuidar dos velhinhos.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)23, em 2002 a média da taxa de desemprego aberto situou-se em 7,3%, o que é superior à média do período de janeiro a outubro de 2001 (6,3%). Dados como estes podem ser colhidos em qualquer jornal ou telejornal diário brasileiro; no entanto, mesmo com a política atual estável, não se consegue erradicar o desemprego, levando o cidadão a trabalhar no emprego disponível no momento, não necessariamente na sua área de formação.

A função do cuidador de idoso, seja um profissional qualificado, seja um simples voluntário que nunca teve qualquer tipo de formação, é um “cargo” que demanda muita disposição, paciência, atenção e capacidade de entendimento por parte de quem presta o serviço. A capacitação, o conhecimento e o treinamento são importantes no trabalho do cuidador. Saliba et al. destacam que as mudanças ocorridas na terceira idade levam o ancião, em muitos casos, a necessitar de alguém para auxiliá-lo, e quando não é fornecida capacitação ao profissional, resulta um desgaste tanto para o ser cuidado quanto para o cuidador. Esses autores ainda enfatizam que quem cuida trabalha pelos interesses de alguém e preocupa-se com esse alguém.

Os cuidadores entrevistados confirmaram estar no cargo por ser o único emprego que conseguiram. Considerando todos os pontos discutidos até agora, fica a dúvida se eles realmente estão preparados em prover o cuidado ao idoso institucionalizado, pois habilidades e virtudes, como a paciência, não fazem parte da índole de todos os seres humanos. Dessa forma, sugere-se que os internos estão mais vulneráveis aos maustratos, à falta de estímulo à manutenção da saú- de mental e à falta de cuidados específicos, quando o preenchimento do quadro de funcionários que lidam diretamente com o idoso (neste caso, os cuidadores) não exige seleção por qualificação e experiência profissional.

Quando as pessoas realizam atividades com as quais não têm afinidade ou habilidade, estas se tornam ocupações cansativas e estressantes, ficando muito aquém da excelência. Caldas ressalta que recebendo cuidado encontra-se um sujeito que tem uma dimensão existencial, sendo atingido pelos cuidados prestados pelo outro sujeito. Braun e Marcus alertam que os profissionais devem aprender uma nova filosofia quando forem tratar os pacientes idosos, mais do que um novo conjunto de habilidades clínicas e técnicas. Talvez uma seleção mais criteriosa pra tal cargo nas instituições possa contribuir para melhoria na qualidade de vida dos internos e menor desgaste para quem presta o cuidado. Brunetti e Montenegro afirmam que todo profissional envolvido no cuidado e no tratamento do idoso deve ter como objetivo de sua atuação a manutenção da identidade do indivíduo e a criação de condições que lhe permitam envelhecer graciosamente.

Dessa forma, o cuidador deve trabalhar oferecendo todo o benefício possível ao idoso. Mas o ato de cuidar de alguém gera alguns conflitos até mesmo pela diferença de personalidades entre os seres, e por isso os cuidadores foram questionados sobre as dificuldades que eles tinham no cuidado com o idoso. Destacaram que as maiores dificuldades são dar atenção necessária, ter insegurança, não haver compreensão.

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A dificuldade maior é atender eles na hora que eles querem. Eles começam a desabafar, contar que estão com saudade de alguém e eu não posso dar aquela atenção toda. Tem escassez de funcionário, tem que ter paciência com eles. Fico insegura na hora da alimentação, medo de engasgar, medo na hora do banho, de cair. Quando trabalho com os dependentes, não posso ajudar em algumas coisas como andar, enxergar… Quando eles ficam doentes, ficam muito frágeis. Saber a técnica é uma coisa, fazer funcionar é outra. A maior dificuldade é tentar fazer eles entenderem o que eu quero fazer. Muitas vezes eles não entendem.

É nítida a falta de cuidadores no quadro de funcionários das instituições, mas isso não justifica a falta de preparo dos entrevistados, principalmente quando se trata da insegurança no cuidado com o interno. A falta de compreensão desses cuidadores em relação à capacidade de entendimento de alguns internos pode levá-los a agir de forma rude e grosseira com o idoso. Eles entendem a fragilidade e a debilidade na saúde geral de alguns internos, mas não entendem que fornecer o cuidado ideal, dar carinho, amor e atenção são atitudes benéficas e confortantes ao ancião, uma forma de colaborar com o estado geral do idoso. Além disso, mesmo aqueles considerados “capacitados” por ter algum tipo de formação profissional, nem sempre já possuem experiência, pois eles mesmos relataram que é difícil colocar em prática todo o conhecimento (técnico) adquirido.

A falta de capacitação, de conhecimento e de prática do profissional que presta cuidados ao idoso gera insegurança, desorganização, irritação e falta de humanismo nele próprio. A maior vítima desse processo é o idoso que depende dos cuidados, pois não vai recebê-los adequadamente, o que prejudica seu bem-estar. A atenção aos simples gestos do ancião é fator que faz a diferença. Saber medicar e dar banho e alimentação nas horas certas não fazem da pessoa um profissional ideal para cuidar de idosos. É inegável a importância do conhecimento técnico, mas muito além do cateter existe um ser humano digno de respeito e cuidados especiais.

Esse respeito traz consigo a formação de elo entre as duas partes. Com isso, é possível que haja momentos bons durante todo o tempo de cuidados e atenção. Ao serem questionados sobre as satisfações que se adquiria ao cuidar de idosos, metade dos cuidadores não respondeu e a outra metade teve a mesma opinião: cuidar de idosos gera muita satisfação.

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 São muitas… eles me consideram e se apegam muito. Ficam alegres quando chego no serviço, não querem que eu vá embora, transmitem carinho, me proporcionam harmonia. É muito gratificante poder cuidar de uma pessoa e receber um sorriso, aprendo a valorizar as pessoas. Traz uma satisfa- ção muito grande de estar valorizando a minha vida hoje, promove bem-estar e é muito gratificante.

Para quem já tem habilidade, gosto por cuidar de pessoas e tem afinidade com idosos, o papel do cuidador traz muita satisfação. Embora os cuidadores entrevistados sintam-se de mãos atadas quando os anciãos possuem deficiências ou estão acamados, em outros momentos eles percebem que às vezes uma pequena atitude se torna imensa no entendimento do idoso. Desperta nesses cuidadores o afeto pelos internos, e a partir daí eles conseguem realizar o ato de cuidar com maior satisfação. O maior pagamento que o ancião pode oferecer a quem presta cuidados é o olhar de satisfação, suas histórias, experiência de vida, conselhos e os gestos de gratidão.

Depois da criação do relacionamento entre o cuidador e a pessoa que está sendo cuidada, inicia-se muitas vezes um laço afetivo. A partir desse laço, a relação diária passa a ficar menos exaustiva e mais satisfatória, pois através da vivência surgem descobertas e realizações que fazem com que ambos os lados sintam-se bem. Segundo Cattani e Girardon-Perlini, o cuidar apresentase como uma manifestação de afeto, uma concepção popular de amar, remetendo-nos a uma forma de compromisso com o outro. Os autores ainda exaltam que, nos casos de cuidadores que são filhos dos idosos, o ato de cuidar da própria mãe (ou do pai) transcende o ato em si, pois resgata o carinho, o amor, as desavenças do cotidiano e possibilita a retribuição de valores, de cuidados e também, de certa forma, o fato de existirem. Ao mesmo tempo, eles consideram as motivações que permeiam a tarefa de cuidar, e dessa forma observam que é evidenciada no cuidado uma forma de agradecimento pelas experi- ências vividas e pelos cuidados e atenção recebidos no passado.

Para os cuidadores que conseguem obter satisfações e enxergam recompensas nesse serviço, o próprio processo de envelhecimento pode ser mais saudável e mais tranquilo porque eles compreendem tudo o que acontece com cada idoso; no entanto, para os outros, “envelhecer” ainda é muito difícil, humilhante, principalmente por haver dependência física e financeira. Estes estão negligenciando a possibilidade de um dia se tornarem idosos e, pior, ignoram a hipótese de um dia compor o número de internos de um asilo, onde os profissionais não sejam qualificados, onde não haja ninguém para lhes dar atenção e carinho, onde no meio de tanta gente seja possí- vel sentir solidão. Não atentam para o fato de que um dia podem sentir-se bem e gratos por uma simples conversa com um cuidador mais atencioso e mais paciente. Para estes, ainda é preciso crescimento, ou então viverão a prática do medíocre pensamento de que chegar à terceira idade é tornar-se velho.


Consequências da Radioterapia na Região de Cabeça e Pescoço: Uma Revisão da Literatura

Fonte: Gabriela Botelho Martins ; LÔBO, Aylla Lorena Gomes . Consequências da radioterapia na região de cabeça e pescoço: Uma revisão de literatura. Revista Portuguesa de Estomatologia e Cirurgia Maxilofacial, v. 04, p. 251-255, 2009.

O cancro de boca é uma denominação que inclui os cancro de lábio e de cavidade oral, que envolve a mucosa bucal, gengiva, palato duro, língua e assoalho da boca. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (2008), o cancro representa a 3ª causa de morte no Brasil, estima-se que nos anos de 2008 e 2009, serão diagnosticados mais de 14.160 novos casos de neoplasias da cavidade oral, entre homens e mulheres, em uma proporção de 3:1 para o sexo masculino.

Os principais tratamentos disponíveis para o controle dessas neoplasias são a cirurgia de cabeça e pescoço, a radioterapia e a quimioterapia, escolhidos de acordo com a localização, tipo histológico da neoplasia, estadiamento clínico e condições físicas do paciente. Geralmente a cirurgia é o tratamento de escolha, podendo ou não estar associada à radioterapia, sendo a quimioterapia utilizada de forma paliativa nos casos mais avançados. Porém, segundo Sonis (1996), apesar dos benefícios trazidos no tratamento do cancro com o uso da radioterapia, a mesma é capaz de provocar efeitos adversos nos campos de radiação, e em relação à cavidade bucal, as principais alterações ocorrem na pele, mucosa, ossos, glândulas salivares e dentes.

A radioterapia ocupa um lugar importante no tratamento dos carcinomas da região de cabeça e pescoço, e destrói tanto células tumorais como também normais, principalmente as células presentes em tecidos de mudança rápida, como é o caso do epitélio oral.

Entre os efeitos adversos mais comuns da radioterapia que atingem a cavidade oral, estão: mucosite, xerostomia, infecções secundárias, cáries por radiação, trismo, disgeusia e osteorradionecrose. Sendo assim, o médico dentista desempenha um papel importante na equipe multidisciplinar que atua no atendimento dos pacientes oncológicos, pois o mesmo deve participar do planeamento das diferentes fases de tratamento dessas lesões, além de acompanhar, preparar e orientar ao paciente no que diz respeito às sequelas provocadas pela terapia antineoplásica.

O objectivo desse trabalho é fazer uma revisão de literatura acerca das principais sequelas provenientes da radioterapia de cabeça e pescoço que acometem a cavidade oral dos pacientes oncológicos, além de reafirmar a importância do médico dentista na prevenção e controle das mesmas.

RADIOTERAPIA EM CABEÇA E PESCOÇO

A radioterapia, de um modo geral, pode ter três objetivos distintos: curativo, remissivo e sintomático. Quando o objectivo do tratamento é extinguir todas as células neoplásicas, diz-se que a radioterapia utilizada é de carácter curativo, quando se deseja reduzir parte do tumor ou complementar o tratamento cirúrgico ou quimioterápico, usa-se a remissiva; ao passo que, a finalidade sintomática das radiações é indicada nos casos de dor localizada. Nesses casos, as metástases ósseas são as mais beneficiadas no tratamento da dor, visto que as partes moles e os órgãos da cavidade peritoneal são menos favorecidos neste tipo de tratamento.

A prevalência e a intensidade das complicações orais ocasionadas durante o tratamento radioterápico vão depender da dose aplicada e do campo de incidência da radiação. Segundo Arisawa et al. (2005), as complicações orais decorrentes do tratamento antineoplásico ocorrem em aproximadamente 90% dos pacientes portadores de neoplasias malignas de cabeça e pescoço e estão relacionadas entre outros factores, com as doses e poder de penetração das radiações, além de respostas individuais de cada paciente. As células presentes na mucosa da cavidade oral, faringe e laringe possuem uma alta capacidade mitótica e baixa radiorresistência, por isso tornam-se alvos fáceis ao desenvolvimento de efeitos adversos causados pela exposição à radiação.

EFEITOS ADVERSOS DA RADIAÇÃO IONIZANTE NA REGIÃO DE CABEÇA E PESCOÇO

Os efeitos colaterais mais comuns da radioterapia na região de cabeça e pescoço são: dermatite, mucosite, xerostomia, disgeusia, disfagia, trismo, cárie de radiação, osteorradionecrose, os quais podem ser precoces e tardios, reversíveis ou irreversíveis.

Almeida et al., em 2004, realizaram um estudo com 30 pacientes portadores de carcinoma na cavidade oral e orofaringe, com o objectivo de avaliar as principais sequelas da radioterapia e propor um protocolo de prevenção e tratamento das mesmas. Os resultados mostraram que 17% dos pacientes irradiados apresentaram redução do fluxo salivar, 33% tiveram cárie de radiação, 75% desenvolveram trismo, e 67% apresentaram mucosite.

MUCOSITE ORAL

A mucosite é um dos primeiros sinais clínicos que aparecem na cavidade oral durante a radioterapia de cabeça e pescoço, iniciando geralmente durante a segunda semana de tratamento. Caracteriza-se por edema, eritema, ulceração, presença de pseudomembranas, além de dor e dificuldade na deglutição. Costuma causar desconforto e o paciente pode ser orientado a fazer bochechos com clorohexidina a 0,2% e aplicação de anestésico tópico no local atingido.

Albuquerque e Camargo, em 2006(11), realizaram uma revisão sistemática sobre mucosite oral com 33 artigos publicados entre 2000 e 2005. Avaliaram os diferentes níveis de intensidade de mucosite oral, além das principais intervenções e tratamentos mais recomendados na literatura, como orientações sobre higiene oral e dieta, uso de antifúngicos, antibióticos, complexos vitamínicos, além de soluções de clorohexidina e bicarbonato de sódio para bochechos diários. Como conclusão, consideraram que a mucosite é um dos efeitos adversos mais comuns do tratamento radioterápico, sendo caracterizada por uma inflamação na mucosa, com presença de eritema e ulceração, geralmente associada à dor e dificuldade de deglutição. Nos casos mais agressivos e dolorosos, é considerado um fator dose limitante na terapia antineoplásica.

XEROSTOMIA

A xerostomia é relatada como “sensação de boca seca”, e se inicia após a segunda semana de tratamento em uma dose de 2000 a 2500cGy aproximadamente. Ressaltando que, doses acima de 6000cGy provocam modificações quase sempre irreversíveis na produção e consistência salivar(10). Esta complicação muito comum da radioterapia ocorre devido à inclusão das glândulas salivares no campo de radiação. Estas estruturas, por serem radiossensíveis, sofrem prejuízo na sua função secretora por atrofia dos ácinos serosos, o que torna a saliva mais espessa e viscosa, além de prejudicar o seu efeito bactericida. Este fato favorece o crescimento da microbiota cariogénica e consequentemente o aparecimento de cárie secundária. Além disso, os pacientes se queixam de dificuldade de deglutição, provavelmente devido à reduzida lubrificação oral.

Guebur et al. (2004) avaliaram o fluxo salivar em 12 pacientes, fumantes, portadores de carcinoma espinocelular submetidos à radioterapia na região de cabeça e pescoço, com doses de radiação entre 5280 e 7040 cGy. Concluíram que 90% desses pacientes apresentaram uma diminuição considerável do fluxo salivar durante o tratamento.

Rubira et al. (2007) fizeram um estudo longitudinal com 100 pacientes portadores de neoplasias malignas de cabeça e pescoço, com o objectivo de identificar e avaliar os principais efeitos adversos na cavidade oral causados pela radioterapia. Os pacientes foram submetidos à anamnese, exame físico e exames complementares, como sialometria, medida do pH salivar e radiografia panorâmica. A amostra do estudo recebeu uma dose média de radiação de 5955 cGy. Foi possível observar que 30% dos pacientes relataram a perda total de paladar, com doses mais altas que 5000cGy, e 38 pacientes relataram dificuldades de deglutição, sintoma que caracteriza a disfagia, com uma dose média de radiação em torno de 6063cGy e campos de radiação que incluíram a região da orofaringe. Este estudo sugere que os efeitos da radioterapia persistem ao longo dos anos e dependem de um jogo das variáveis que incluem o campo de radia- ção, o uso de medicação para alívio da xerostomia, a dose de radiação e o tempo pós-radioterapia de avaliação do paciente. Apesar de uma leve melhora do fluxo salivar ao final do tratamento radioterápico, a redução salivar ainda continua sendo um dos principais efeitos colaterais da radioterapia nesta região.

INFECÇÕES FÚNGICAS E BACTERIANAS

Em pacientes debilitados devido à terapia para o cancro, podem ocorrer infecções bacterianas, fúngicas ou virais, que devem ser diagnosticadas e tratadas precocemente para evitar o envolvimento sistêmico desses indivíduos, podendo ser fatal.

A infecção bacteriana presente na cavidade oral apresenta como principais sinais e sintomas dor, febre acima de 38ºC e lesões na mucosa e gengiva. As infecções odontogênicas são manifestadas através de episódios de dor relacionados à presença de cárie profunda, sensibilidade do dente à percussão e mudanças de temperatura. Por outro lado, a infecção viral, principalmente aquela causada pelo herpes simples e herpes zoster, tem sido observada com frequência em pacientes oncológicos, com manifestações intra e extrabucais, presença de eritema, lesões agrupadas e ulceradas que podem aparecer no palato, comissuras labiais ou abaixo do nariz.

Buscando investigar a colonização por cândida associada à redução do fluxo salivar antes, durante e após a radioterapia cervicofacial, Bonan et al., em 2007, fizeram um estudo com 20 pacientes portadores de neoplasias malignas de cabeça e pescoço com indicação de radioterapia, sendo 24 pacientes saudá- veis e 09 pacientes já submetidos a radioterapia por no mínimo um ano. Como resultado desse estudo, foi observado que os pacientes irradiados apresentaram redução de fluxo salivar, aumento na colonização fúngica principalmente por C. albicans e C. Tropicalis, e diversificação das espécies de cândida presentes ao longo do tratamento.

Outra complicação frequente observada nos pacientes em terapia antineoplásica, são as cáries de radiação, caracterizadas por possuírem uma rápida progressão, atingindo as superfícies lisas das regiões cervicais dos dentes devido à redução significativa do fluxo salivar, tornando-os mais susceptíveis ao acúmulo de biofilme dental e agregação da microbiota cariogênica na superfície.

Em um estudo com 92 pacientes, irradiados e não irradiados, com o objectivo de avaliar o índice de CPOD (dentes cariados, perdidos e obturados) e presença de xerostomia, foi constatado que este índice apresentou diferenças significativas entre os grupos, onde foi mais elevado no grupo teste, excepto no que diz respeito ao escore correspondente a dente extraído. A xerostomia foi avaliada através da aplicação de um questionário, no qual os pacientes relatavam ou não a sensação de boca seca e dificuldade de deglutição, onde foi observada com maior frequência nos pacientes irradiados.

TRISMO

O trismo está relacionado às neoplasias malignas localizadas na região retromolar e palato mole, ocorrendo devido à exposição da articulação temporomandibular (ATM) e músculos mastigatórios às radiações, causando a fibrose gradual dos feixes musculares envolvidos. O paciente costuma relatar como primeiro sintoma a dificuldade de abertura de boca, fato que compromete a higiene oral do mesmo.

OSTEORRADIONECROSE

Osteorradionecrose é uma sequela tardia da radioterapia, que apresenta incidência de aproximadamente 40% nos pacientes irradiados na região de cabeça e pescoço, mais frequentemente identificada naqueles indivíduos que recebem doses acima de 6500 Gy, e se caracteriza pela destruição do tecido cutâneo da boca e consequente exposição do tecido ósseo necrótico, variando entre 3 e 6 meses. Após a exposição óssea, existe o desencadeamento de uma série de outros sinais e sintomas clínicos, como: fístulas orais ou cutâneas, drenagem de secreção purulenta, algia, dificuldade mastigatória, e trismos musculares. Os casos mais agressivos de osteorradionecrose podem evoluir rapidamente para fractura patológica do osso afectado.

Segundo Monteiro et al. (2005), a osteorradionecrose é causada por uma necrose óssea isquêmica induzida pela radiação, onde o tecido ósseo tem a sua capacidade de remodelação e cicatrização prejudicada em carácter permanente. Dentre as suas consequências, é possível observar desde dor severa a osteomielites secundárias, alterações mastigatórias e fonéticas, além de infecções sistêmicas, comprometendo a qualidade de vida.

Em 2005, Cardoso et al. realizaram um estudo longitudinal por 180 dias com 12 pacientes portadores de neoplasias malignas de cabeça e pescoço, acompanhados através da elaboração prévia de um plano de tratamento sistematizado referente às condições de saúde oral, executado antes, durante e no mínimo seis meses após a radioterapia. No exame intra oral, notou-se, de um modo geral, que os pacientes apresentavam cáries extensas, lesões periapicais, fístulas e mobilidade. O tratamento prévio foi executado o mais breve possível, além da prescrição de bochechos de clorohexidina a 0,2% e orientações de higiene oral. Ao final do estudo, foi observado que o acompanhamento odontológico sistemático contribuiu para promover melhores condições de restabelecimento em pacientes portadores de neoplasias malignas de cabeça e pescoço que se submetem à radioterapia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A radioterapia na região de cabeça e pescoço, poderá acarretar uma série de efeitos adversos na cavidade oral. Dessa forma, se faz necessária a presença do médico dentista na equipe multidisciplinar de atendimento do paciente oncoló- gico, no intuito de desenvolver um planeamento individualizado e sistematizado para esse indivíduo, orientando-o quanto a prevenção e tratamento dos efeitos secundários da radioterapia. Além disso, é de suma importância, que os radioterapeutas envolvidos no processo multidisciplinar de atendimento, tenham conhecimento dessas sequelas e estabele- çam um fluxo de encaminhamento desses pacientes para centros odontológicos de referência, buscando minimizar e tratar os efeitos adversos que poderão surgir na cavidade oral, além de promover um acompanhamento contínuo que possa resgatar as condições ideais de saúde, contribuindo para a qualidade de vida e autoestima desses pacientes.

 

 

 

 


O envelhecimento na perspectiva do cuidador de idosos

Fonte: Garbin, Cléa Adas SalibaSUMIDA, Doris Hissako ; MOIMAZ, S. A. S. ; PRADO, Rosana Leal Do ; Silva, Milene Moreira da . O envelhecimento na perspectiva do cuidador de idosos. Ciência e Saúde Coletiva (Impresso), v. 15, p. 2941-2948, 2010.

Com o avançar da idade surgem sensíveis altera- ções no estilo de vida da população idosa, por problemas de saúde ou mesmo pelo processo fisiológico do envelhecimento, que se configura como um processo múltiplo e desigual de comprometimento e decadência das funções que caracterizam o organismo vivo em razão do tempo de vida .

O aumento da expectativa de vida e a diminuição da taxa de mortalidade representam um fenômeno mundial atualmente, acarretando o envelhecimento populacional e trazendo profundas consequências para as políticas sociais, representando um dos maiores desafios da saúde pública contemporânea.

No Brasil esse quadro não é diferente, e hoje o país já conta com mais de 14,5 milhões de idosos4 . Nessa perspectiva, estimativas indicam-no como sexto colocado em termos de população idosa no ano de 2025, com mais de 30 milhões de habitantes acima de sessenta anos.

As mudanças advindas da terceira idade levam os idosos, em muitos casos, a necessitar de alguém para auxiliá-los em atividades que antes pareciam de simples execução. Dessa necessidade surge a figura de cuidador de idosos, que em muitos casos passa-nos sob um olhar desatento e sem a devida capacitação, resultando em desgaste tanto para o ser cuidado quanto para o cuidador. Entretanto, hoje no país, pouco se conhece do impacto, sobre o sistema de saúde, de idosos que estão dependentes e necessitam de um cuidador. No Brasil, o cuidador não tem seu papel reconhecido, e tal lacuna é um fator a mais a ser considerado no planejamento de políticas públicas de saúde para idosos. Néri e Sommerhalder6 apontam a existência de uma incapacidade funcional como determinante da necessidade de um cuidador. Em países desenvolvidos, a figura do cuidador já é assimilada como parceira da equipe de saúde. Na Inglaterra, estima-se que mais de seis milhões de pessoas sejam cuidadores de indivíduos dependentes, em sua maioria idosos .

Sabe-se que essa parcela da população requer uma atenção especial em razão das condições sociais, mentais, físicas e afetivas nas quais vivem, em muitas das vezes situações de total abandono social8 . Portanto, pessoas que enveredam por essa área de atuação submetem-se, algumas vezes, a condições extremas de desgaste não só físico como emocional. Por isso, é de grande importância uma boa formação técnica fundamentada não só em conceitos teóricos como também em aspectos humanos e éticos.

Pouco se conhece sobre o perfil de cuidadores de idosos, suas necessidades, sua formação. A urgência de se estruturar uma equipe multidisciplinar qualificada com amplo conhecimento geriátrico e gerontológico é iminente, na busca da melhoria da qualidade de vida dos idosos institucionalizados. Este estudo se propõe relatar a percepção dos cuidadores de idosos que atuam em três instituições de amparo ao idoso na cidade de Araçatuba, São Paulo, em relação ao envelhecimento, suas motivações pessoais em buscar trabalho com essa parcela da população, seu relacionamento com o idoso, suas dificuldades durante o trabalho e a satisfação encontrada junto ao idoso.

Parte II

Ao analisar o relato gravado de todos os cuidadores, foram elaborados os discursos do sujeito coletivo de cada questão. Quando os profissionais (cuidadores) foram questionados sobre o significado de envelhecer, surgiram duas ideias centrais, indicando aspectos positivos e negativos do envelhecimento.

DSC

 Eu costumo dizer que envelhecer é alguém na vida que tem muita experiência, sabedoria, é chegar numa idade avançada com saúde, mesmo velhinho fazendo tudo! É a realização de alguma coisa que você planejou, de bebê passa para criança, de criança pra adolescente, de adolescente para maior idade e daí, envelhecimento. É chegar numa idade feliz.

DSC

Gostaria de não envelhecer, vai perdendo as forças, enfraquecendo. É um processo que não tem como evitar, da vida, que indica que o tempo chegou e nem sempre tem o amparo dos familiares. É difícil, humilhante, muito triste.

O primeiro tema explorado no DSC coincide com a opinião de Brunetti e Montenegro10, acreditando que o idoso ainda pode ser útil à sociedade com a experiência que acumulou durante a vida.

É possível ter saúde na terceira idade, com isso pode-se desfrutar do que a vida ainda proporciona, respeitando os limites do corpo, claro, porém não excluindo a chance de fazer o que lhe dá prazer. Borini e Cintra  ressalvam que participar das atividades de lazer em grupos de terceira idade representa a saída do fundo do poço, traz um sentido para a vida e o próprio renascimento. Então, usufruir de todos os avanços médico-tecnológicos e mesmo da própria mudança de conceitos da sociedade é uma forma de envelhecer com saúde, alegria e bem-estar, excluindo a imagem estereotipada de que com o envelhecimento o idoso fica acamado, à margem da sociedade.

Hazell et al. afirmam que exercícios físicos de resistência para adultos de maior idade, acompanhados de um profissional, são efetivos no aumento da força muscular, o que melhora a atuação dos idosos nas atividades diárias de vida. Isto quer dizer que se o idoso faz algum tipo de exercício físico diário, de preferência orientado por um profissional, ele não vai enfraquecer, pelo contrário: vai manter-se forte o suficiente para realizar suas atividades rotineiras e até outras, como a dança, por exemplo, o que lhe proporciona saúde e bem-estar e, consequentemente, melhoria na autoestima.

É certo que sexo, escolaridade, renda, proximidade com amigos e vizinhos, solidão, qualidade efetiva em relação à família, atividades de lazer, alimentação, cuidado corporal, deambula- ção, motilidade, estado mental, humor, acuidade visual, atividades domiciliares e extradomiciliares são variáveis que se mostram associadas à dependência dos idosos nos aspectos psicossociais e econômicos, aspectos emocionais e atividade de lazer e aspectos fisiopatológicos, como encontrado por Leite. O aspecto psicológico deve ser muito bem trabalhado com o idoso, pois muitas vezes existem, de fato, o abandono da família e a solidão, o que pode acarretam um estado depressivo. Segundo Irigaray e Schneider, a depressão é um dos problemas psiquiátricos mais comuns e importantes em idosos e caracteriza–se como um distúrbio da área afetiva ou do humor, que exerce forte impacto funcional em qualquer faixa etária. É de natureza multifatorial, que envolve numerosos aspectos de ordem biológica, psicológica e social, e vivenciada muitas vezes como tristeza, saudade, angústia e desânimo. No entanto, não é necessariamente uma morbidade integrante da velhice.

De nada adianta a família internar o idoso na melhor instituição de terceira idade se a saúde mental do ancião não é preservada. A saúde mental interfere muito na saúde geral, ao passo que, por mais que o idoso apresente todas as condi- ções de ter uma vida saudável e segura, se ele não tem carinho, diversão, emoção e alegria, não tem ânimo para desfrutar de nada. Essa é a situação que os cuidadores de idosos deste estudo observam de perto a cada dia de serviço. Eles têm a percepção de que a tristeza, a solidão e o abandono não permitem que dias ensolarados sejam bem aproveitados, que as flores do jardim tenham beleza e que o palhaço do circo tenha sua graça para o idoso esquecido, principalmente porque é dessa forma “triste e humilhante” que esses profissionais consideram o envelhecimento. A falta de ânimo leva o idoso a se abandonar, até o ponto de recusar a higiene do próprio corpo.

Mas existem tratamentos assistidos por profissionais que podem ajudar a envelhecer sem se ficar deprimido. De acordo com Moraes et al., a prática de exercícios físicos por indivíduos idosos depressivos sem comorbidades é capaz de promover a prevenção e a redução dos sintomas depressivos. Ou seja: a tristeza, a depressão, a solidão e a falta de exercícios físicos são fatores dependentes da força de vontade de cada individuo. Porém, em casos de pensamentos pejorativos, o idoso pode ser assistido por profissionais, tais como psicólogo, psiquiatra, fisioterapeuta, personal trainer, cirurgião-dentista, entre outros, para reverter o quadro e envelhecer com bemestar e qualidade de vida.

Um passeio matinal ou uma atividade artesanal acompanhados de pessoas queridas, brincadeiras com crianças e animais de estimação podem elevar o ponteiro da felicidade e isso garante a satisfação e o ânimo em viver, isto é: assim que se observa um comportamento pejorativo no ancião, deve-se estimulá-lo a realizar atividades que lhe proporcionem prazer e alegria, e esse estí mulo funciona melhor quando é dado por alguém por quem o idoso tenha muita estima. Alguns dos cuidadores entrevistados tentam preencher esse vazio, em um curto e raro tempo de folga durante o serviço. Em algumas das instituições-alvo desta pesquisa, foi possível observar que as atividades de lazer são mais frequentes e mais intensas; em outras, a visita de pessoas do terceiro setor (voluntariado), bem como o empenho delas em praticar artesanato e lazer com os internos, é o que mais lhes proporciona o bem-estar.

Em 2004, Gazalle et al. já alertavam que a depressão nos idosos era pouco investigada em ambientes clínicos e sugeriam que os médicos ficassem mais atentos aos sinais da doença e recebessem treinamento adequado no monitoramento de depressão nesse grupo etário. Mas além da depressão, as alterações fisiológicas, psicológicas, sociais e até as alterações de memória podem ser observadas diariamente no cuidado do idoso. Assim, é importante que o cuidador de idoso tenha principalmente habilidade e satisfação em trabalhar com o ancião, pois caso contrário não tem sensibilidade suficiente para enxergar e compreender tal situação, tampouco de observar a necessidade de cuidados específicos ou indicar profissionais especializados. Não ter noção do que é envelhecer é vendar os olhos para si no futuro. Talvez seja por essa suposta falta de interesse pessoal que, ao serem questionados sobre as maiores dificuldades do envelhecimento, os cuidadores tenham enfatizado as dificuldades físicas, psicológicas e aquelas encontradas durante o cuidado com o idoso.

 


Parcerias e convênios

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