Complicações pulmonares após uso de crack: achados na tomografia computadorizada de alta resolução do tórax

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Fonte: Mançano A, Marchiori E, Zanetti G, Escuissato DL, Duarte BC, Apolinário LA. Complicações pulmonares após uso de crack: achados na tomografia computadorizada de alta resolução do tórax. Relato de caso. J Bras Pneumol. 2008;34(5):323-327.

Nos Estados Unidos, calcula-se que a população usuária de cocaína esteja entre 5 e 8 milhões, sendo a principal forma utilizada a de cocaína fumada (crack). No Brasil, embora as estatísticas sejam bastante falhas, vem sendo observado um importante e progressivo aumento no número de usuários deste tipo de droga. A inalação de crack pode induzir uma variedade de alterações pulmonares agudas, incluindo hemorragia alveolar, edema pulmonar agudo e infiltrações pulmonares de diversas naturezas. Os sintomas mais comumente observados são dor torácica, dispnéia, tosse produtiva, febre e hemoptise. Embora alguns artigos na literatura relatem os achados nas radiografias de tórax, raros são os estudos descrevendo especificamente as alterações tomográficas neste grupo de pacientes. Neste trabalho, os autores descrevem um caso de comprometimento pulmonar após uso de crack, enfatizando os achados de tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR).

Relato do caso

Paciente do sexo masculino, 24 anos, previamente sadio e assintomático, foi admitido em unidade de urgência com queixa de dor torácica, tipo pleurítica, nos terços inferiores de ambos os hemitóraces, acompanhada de dispnéia e tosse com escarro hemoptóico, 12 h após o uso de crack. O paciente negava febre, convulsão, perda da consciência, vômitos ou aspiração. Não havia relato de sintomas cardiovasculares ou urinários. Negava o uso de drogas injetáveis. Tabagista de 8 anos/maço.

Ao exame físico, o paciente estava em bom estado geral, sem sinais de agitação psicomotora, corado, hidratado, acianótico, sem rash cutâneo ou petéquias, sendo observada a presença de queimaduras nas pontas dos dedos, fato que levantou suspeita quanto ao uso da droga. As pupilas estavam isocóricas e fotorreagentes, com restante do exame neurológico normal. Pressão arterial de 120/70 mmHg, sem alterações posturais, freqüência respiratória 20 ipm, freqüência cardíaca de 80 bpm. O exame do precórdio estava normal, pulsos regulares com boa amplitude. À ausculta pulmonar, o murmúrio vesicular estava audível universalmente sem ruídos adventícios. O eletrocardiograma era normal.

Os exames laboratoriais à admissão mostravam: hemograma e plaquetas normais; velocidade de hemossedimentação 27 mm na primeira hora; proteína C reativa 192 mg/dL; creatinina 0,8 mg/dL; aspartate aminotransferase 21 U/L; alanine aminotransferase 20 U/L; fosfatase alcalina 61 UI/L; gama-glutamil transpeptidase 20 UI/L; proteínas totais 6,40 g/dL; albumina 3,91 g/dL; globulinas 2,49 g/dL; hemocultura, três amostras negativas; pesquisa de anticorpos anticitoplasma de neutrófilos negativa; pesquisa de anticorpos para HIV I e II negativa; pesquisa de bacilos álcool- ácido resistentes e fungos no escarro negativa, em três amostras. Foi realizada pesquisa de substâncias ilícitas na urina (método cromatografia de camada delgada), que foi positiva.

As radiografias de tórax mostravam consolidações heterogêneas, predominando em campos pulmonares superior e médio bilateralmente, sem sinais de derrame pleural (Figura 1). O paciente foi internado para investigação, sendo então solicitada TCAR (Figura 2), que evidenciou consolidações, nódulos do espaço aéreo e opacidades em vidro fosco, comprometendo de maneira mais evidente os campos pulmonares médios e superiores. Não havia escavações parenquimatosas, nem comprometimento pleural ou mediastinal.

Na internação, o paciente foi tratado com oxigenoterapia por cateter nasal e corticosteróide endovenoso, evoluindo bem, e recebendo alta hospitalar em 4 dias, assintomático, sendo orientado quanto à suspensão da droga e realização de controle tomográfico em duas semanas.

A TCAR de controle, feita 15 dias após o primeiro exame (Figura 3), evidenciou grande melhora radiológica, com persistência de algumas opacidades em vidro fosco esparsas, e aparecimento de algumas escavações onde antes existiam consolidações. O paciente permanece em acompanhamento ambulatorial, sem queixas, e relata ter suspendido definitivamente o uso da droga.

Exposição pulmonar marcada e repetida à cocaína fumada tem sido associada a um largo espectro de complicações pulmonares, incluindo edema pulmonar, hemorragia alveolar difusa, exacerbações agudas graves de asma, barotrauma, infiltrações pulmonares com eosinofilia, pneumonia intersticial não específica e bronquiolite obliterante com pneumonia em organização, bem como infiltrações pulmonares agudas associadas a um espectro de achados clínicos e patológicos, referidas como “pulmão de crack”. O mecanismo pelo qual o crack causa estes variados tipos de agressão pulmonar não está bem estabelecido. Uma vez que hemorragia pulmonar e lesão pulmonar aguda de outras naturezas são radiologicamente indistinguíveis, o desenvolvimento de falência respiratória com opacidades bilaterais que aparecem logo após o uso do crack e clareiam rapidamente após a interrupção do uso também tem sido denominado “pulmão de crack”.

As alterações pulmonares mais comuns são o edema e a hemorragia alveolar. O edema pode ser de natureza cardiogênica ou não cardiogênica, por aumento da permeabilidade capilar pulmonar. Achados de necropsia mostram que a hemorragia alveolar é muito freqüente neste grupo, não só de forma aguda, como muitas vezes de forma crônica, sem a ocorrência de hemoptise, cursando de forma assintomática.

O barotrauma pode se desenvolver, como resultado do acentuado esforço inspiratório, freqüentemente seguido por manobra de Valsalva prolongada e tosse violenta, que acompanha a inalação dos vapores de cocaína. O súbito aumento da pressão intrabrônquica e intra-alveolar, com ruptura alveolar e penetração do ar no interstício, pode acarretar pneumomediastino, pneumotórax ou pneumopericárdio.

Embora não possa ser definido com exatidão que a cocaína seja a responsável pela síndrome pulmonar aguda observada em nosso paciente, a relação temporal entre o ato de fumar o crack e o início do quadro, a ausência clínica e laboratorial de outras afecções que justificassem a sintomatologia e a resolução rápida das lesões pulmonares após a interrupção do uso da droga permitiram que tal relação pudesse ser feita. Tem sido observado, nos últimos anos, um aumento muito grande no uso de cocaína fumada. O médico assistente deve estar atento a essa possibilidade diagnóstica, e conhecer suas múltiplas manifestações clínicas e radiológicas, devendo ser ressaltado que, muitas vezes, a história do uso da droga é omitida pelos pacientes.

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